sábado, 6 de junho de 2009

Budapeste, o livro

Aconteceu na mesma semana em que decidi vir pra Budapest. Estava numa livraria procurando um presente para uma amiga e passava a mão pela lombada de vários volumes, lendo de relance autor e título. Eis então que as letras escuras sobre a tarja mostarda surgiram como que por encanto entre meus dedos, por debaixo da mão. Sabendo do meu vindouro destino, instintivamente puxei-o e segurei pela contra-capa num só movimento e, olhando o livro de frente, não resisti a ler os primeiros parágrafos que estavam na própria capa. Quando cheguei na linha que dizia ser o húngaro "a única língua que o diabo respeita", parei de súbito. Não queria opiniões de terceiros sobre Budapest, nem boas, nem ruins; nem que fossem do Chico Buarque. Queria as minhas próprias, livres de qualquer tendência.

Devolvendo-o ao lugar onde encontrei, segui na minha busca que logo obteve êxito. Embora prefira os meios eletrônicos, paguei em dinheiro pra sair logo dali. Andava rápido, quase corria. Já havia sido copiosoamente difícil decidir aceitar o desafio de vir pra cá, então sofrer na véspera sabendo de algo que porventura eu pudesse não gostar era um conhecimento do qual eu fazia questão de abrir mão. Porém mais tarde me arrependi. Fiquei sabendo que, embora se passasse na cidade, o romance falava muito pouco sobre as impressões que ela gerava, focando mais na língua em si. Voltei a considerar lê-lo e pensei que algum amigo fosse me dar o livro como presente de formatura por achá-lo adequado, o que acabou não acontecendo. Ainda arrisquei uma última tentativa no aeroporto de São Paulo já no caminho da vinda, mas não tive sorte. Acabei vindo sem conhecer a história.

Aqui, o assunto é recorrente em conversas informais, especialmente agora que o livro virou filme e boa parte foi rodada em Budapest. Ontem à noite, por acidente, achei o trailer quando procurava outra coisa no youtube e ver nele as cenas da cidade, dos lugares onde passo, me tomou de assalto: eu precisava ler o livro.


Com um pouco de empenho, achei o e-book na internet, baixei e comecei a leitura. As palavras fluiam como barco de vento em popa e devorei o texto como uma criança sedenta que se lambuza comendo melancia no verão. Às vezes precisava voltar um parágrafo pois engolia algumas palavras na ânsia de saber o próximo desfecho. Li tudo numa sentada, um deleite.

Acordei esta manhã e não estava satisfeito. Pensei em ler tudo novamente ou sair à cata de um original na casa de amigos. Aí lembrei do endereço que Buarque cita no livro. Será que existe? O que será que tem lá? Joguei no Google Maps e encontrei! Bom, não exatamente. Tóth é um sobrenome e tinha vários nomes de ruas que o continham. Porém a "Tóth István" era a única que ia até o número 84, ficava no lado Pest e a estação de metrô mais próxima era a Újpest-Központ que, deduzi, deve ficar no distrito de Újpest; achei coincidência demais. Era relativamente perto da minha casa e, pelo site da BKV, descobri que bastava pegar um tram e um trolei que chegaria fácil. Na verdade, não foi tão fácil assim: passei da parada, caminhei pra caramba, não achei quem falasse inglês, mas enfim achei o caminho.

Dobrei certa esquina e vi que já estava na rua certa, alguns números antes do meu destino. Em contraponto à calma do subúrbio, andava agitado por aquela alameda cheia de árvores e a cada passo sentia o pulso mais forte na garganta. Passei por uma placa que indicava aquela quadra conter os prédios até o 83. Atravessei a rua sem olhar para os lados e me deparei com a única coisa que não esperava: uma lacuna. Um vazio, um nada, uma pausa, um oco, um vácuo. A quadra seguinte começava no 85.

Incrédulo, olhei ao redor procurando também do outro lado da rua. Mas não tinha jeito: o 84 da Tóth István era apenas a esquina com a Csajág. Larguei o tronco sobre as pernas como faz um atleta derrotado ao fim da corrida, suspirei e ao me colocar outra vez de pé percebi o olhar de incompreensão do senhor da casa vizinha. Me restava apenas tirar uma foto para lembrar da expedição malograda.

Mas afinal, o que eu esperava encontrar? Um museu como o 221b da Baker Street de Londres? A tal casa citada no livro, ou ainda a própria Kriska esperando na soleira?? Percebi como fui tolo indo atrás de algo que sequer eu tinha certeza que existia. As coisas quase nunca estão onde deveriam estar, especialmente se você não sabe o que está procurando.

E será que um dia eu vou saber? Será que eu vou encontrar? Enquanto isso me consolo com as palavras de Galeano que diz que é pra isso mesmo que serve a utopia: pra fazer caminhar.

2 comentários:

  1. e o teu post ficou parecendo mais um capitulo do livro :) adorei!

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  2. Concordo com a Bárbara!

    Essa história dava um outro livro!

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