sexta-feira, 29 de maio de 2009

Chegadas e partidas (II)

Agora toda sexta tem futebol com o pessoal do escritório depois do expediente. Muito diferente do que é no Brasil, aqui eles jogam por pura diversão: não tem falta, os times nem sempre têm o mesmo número de jogadores e o placar é o que menos importa. Deixa de ser uma disputa e vira farra.

Quando entro em casa, ainda na porta Lilla me avisa que cheguei bem a tempo de jantar com eles. Pergunto se há algum motivo especial, já que não é comum termos uma refeição juntos.

-Martin está indo.
-Sim, eu sei; pra Vienna, amanhã.
-Não, pra casa, de volta pra Coréia.
-Sério?? Ué, o que houve??
-Não sei bem, o trabalho não está legal, parece.

Durante o jantar ele explicou o porquê do seu retorno antecipado, questões internas da empresa. Ele vai embora em uma semana e Lilla talvez não esteja aqui pra se despedir pois vai estar viajando, por isso o "jantar de despedida". Lamentável, ele é um cara tri bacana e só pude aprender poucas palavras em coreano. Conversamos sobre a atual situação na Coréia e ouvir direto da boca de um nativo sua visão sobre o que está acontecendo é algo muito diferente. O conflito deixa de ser uma mera notícia nos jornais e passa a ter vida. Uma guerra deixa de ser uma discussão sobre economia, sistema, território, tradição: no fundo a gente está falando é de pessoas!!

Lamentos à parte, deu pra gente se divertir fazendo um intensivão de "bad word classes". Saca só a minha aula:



quinta-feira, 28 de maio de 2009

Todas as cores

Espero o bonde amarelo que vai me levar até a parada localizada no início da Árpád Híd. É a primeira vez que vejo o tempo nublado aqui, o céu tem uma sombra de cinza que eu não conhecia. No meu mundo toca Foo Fighters, 2005.

À minha direita, uma senhora idosa vestindo uma saia preta florida ostenta um coque bem feito em seu cabelo grisalho e maneja com destreza - em que pese suas luvas brancas de crochê - um i-pod ao qual escuta com um fone de última geração. Me viro pelo ruído alto de um tipo de skate articulado guiado por um rapaz esguio que cultiva um rastafari loiro até a altura de onde está seu cinto, quase no quadril. Acompanho-o com o olhar até que outra cena me captura. É um mendigo de costas para a rua, que, com os joelhos sobre o cordão e os pés pairando no ar, ladainha incansavelmente "por favor, me ajude, por favor". Ele também é alvo de atenção do senhor de meia-idade com paletó desarrumado que segura uma pasta executiva da qual brotam rosas de cor champagne que, deduzo, ele vai dar à esposa.

Dentro do bonde, duas jovens usando meias-calça decoradas riem alto e comentam algo em alemão. Ao redor vejo olhos de todas as cores: de negros intensos do turista asiático que lê atento um cartaz com o itinerário a azuis muito claros da ruiva cheia de sacolas do Tesco; também variados tons entre o verde e o castanho. A loira de tranças lê de pé um livro escrito com alfabeto estranho e no fundo um indiano fala ao telefone com seu inglês muito carregado.

Chego na ilha ainda com um resquício da luz direta do sol que dá seus últimos suspiros entre uma nuvem e as colinas do outro lado do rio. Patos nadam rente a margem sob o lilás que se vê no lado oposto do horizonte. Sigo à esquerda, no caminho oposto ao fluxo principal que prefere dar a volta na ilha no sentido anti-horário. Movimento calculado: queria mesmo ver os rostos e as rugas. Cruzam por mim dois ciganos que discutem algo enquanto fazem gestos veementes. Muitos caminham, a maioria corre; poucos andam calmamente como eu. Mais a frente há um jovem sentado num cais com as pernas cruzadas fitando o nada. Não é preciso vê-lo de frente pra saber como se sente: the deepest blues are black.

Desvio um pouco pra ver a minha árvore predileta, mas dessa vez não me aproximo: um casal sob ela tem uma discussão. Ela chora, ele se desculpa. What if I do? Ouço acordes no intervalo de uma música e outra; saio da bolha criada pelos fones que eu usava pra procurar a origem. É um som que vem da fonte perto da entrada oposta da ilha; me aproximo pra assistir um pouco o balé das águas que dançam ao som de Johann Strauss, nada mais adequado.

Retomo meu caminho, agora já fazendo o retorno em meio ao verde escuro das árvores refletido no pequeno lago central. Já são quase dez, mas sigo ainda com alguma luz no céu. O vento, agora forte e frio, corta minhas canelas desprotegidas como uma navalha. Razor. Volto pra casa pensando na senhora do primeiro parágrafo e como aquela cena poderia ser uma alegoria sobre a atual realidade húngara. Começo a achar que era...



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Tive uma manhã burocrática no escritório de imigração e no ISP da Corvinus. Dedos ainda cruzados...

quarta-feira, 27 de maio de 2009

and the Oscar goes to...

Pasme! Meu site foi indicado ao prêmio de melhor blog sobre experiência no exterior num concurso promovido pela Lexiophiles e bab.la. Muito bacana!!

Ah é, 'tá achando que é mentira, é? Confere aqui, então! (Número 36).

Tomou, tomou???

Então já que tu entrou aqui mesmo, não custa nada votar através do botão aí ao lado. Vamulá, é rápido e indolor. Garanto.

Ah, e outra coisa que sai de graça é deixar comentários aí nos posts. Monólogo é um troço muito chato e qualquer notinha será muito apreciada!!

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E mais uma prova que às vezes se precisa tempo, distância e silêncio: só 12 anos depois e a 5 horas de fuso finalmente começo a compreender o minuano, pelo menos da montanha à nuvem.

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terça-feira, 26 de maio de 2009

Ladeira abaixo!

Hoje foi meu aniversário. Não oficialmente, mas hoje me senti de aniversário.

Comecei o dia lendo a pilha de emails que se acumulou desde sexta à tarde e confesso que não esperava tantas e tão intensas congratulações. Isso fez o dia ficar doce e já deu pra me deixar bem balançado.



E como se já não fosse o bastante, algo mais ainda me esperava... Como é de costume fazermos todo dia no escritório, perto das 9am descemos - eu, Ivan e Györi - para encomendar nosso almoço. Na volta, enquanto preparávamos um café na cozinha da empresa, me chamaram à minha sala pois tinha algo urgente pra resolver. Ao chegar, encontro Ákos segurando pastas de cores verde, amarela e azul e quase todo o pessoal do meu setor (Vicky, Remi, Edina, Zsaba, Bori) cantando parabéns (à moda húngara: em inglês e sem bater palmas) com um bolo tendo estampada a bandeira do Brasil e o meu nome. Bah, foi de cair os butiá do bolso!!

Me explicaram que o plano era ter feito a surpresa ontem (estavam até usando camisetas com as cores do Brasil!!), mas em virtude de eu não conseguir chegar por causa do tal problema no trem, não deu...

Com isso tudo, acho que hoje caiu a ficha da idade que alcancei, a qual pra muitos é quase um tabu. Muitas vezes ouvi falar em tom de lamento que, quando se chega às três décadas, a escalada terminou e agora é ladeira abaixo. Mas aí é que começa a ficar bom: sempre preferi mesmo a velocidade e o vento da descida.

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segunda-feira, 25 de maio de 2009

Wien (3º dia)

Na real, este post não era pra existir. O plano era voltar cedo na segunda-feira e ir direto pro trabalho. Mas... (E sempre tem um "mas..."). Nosso trem quebrou. Três vezes. Pane elétrica.

Brincando nos trilhos do trem

Na primeira vez, estávamos a meia hora do destino e paramos no meio do nada. Sol a pino perto do meio-dia, calor infernal dentro do vagão e sem enrgia pra ligar o ar condicionado. Hell IS a bad place to be. Ninguém da tripulação falava inglês e ficávamos recebendo informações através de rumores. Depois de esperar muito tempo e de levar um cagaço achando que tinha um outro trem em rota de colisão, começamos a ser rebocados por uma outra locomotiva à impressionante velocidade de 5km/h!! Resumindo a história, essa locomotiva acabou quebrando e uma segunda que foi mandada também. Na última vez já estávamos quase em Budapest e estávamos tão de saco cheio que decidimos deixar o trem e encontrar outro jeito de chegar em casa, o que não foi difícil.

Deixando o trem pra trás

Mas... (Olhaí ele denovo). Sempre tem o bright side. Com esse tempo todo pra gastar e, mesmo tendo um livro interessante pra ler (atualemente "Zen and the Art of Motorcycle Maintenance"), a gente fica entediado e se obriga a fazer algo interessante. Com isso, acabamos conversando com pessoas legais pra caramba as quais nunca conheceríamos se não fosse esse problema: Andrew, novaiorquino, 'tava viajando sozinho porque seu parceiro teve que voltar às pressas por questões familiares; um casal de Brasília fazendo tour pela Europa; um trio de estudantes de Minnesotta - Kelly, Laura e Megan - que, se não fosse pelo inconfundível american accent passariam por austríacas sem problemas; Markus, um suiço "rock concert hunter" que namora uma brasileira, fala uns 7 idiomas e já foi em todos nos shows de todas as bandas que tu possa imaginar; enfim... Fomos então pro vagão restaurante brindar ao infortúnio!



Acabei perdendo o dia de trabalho por causa desse problema, mas em compensação, o fato de termos conhecido essa galera nos garantiu uma noite bacana com aulas de drinking games e um monte de histórias malucas pra compartilhar.

domingo, 24 de maio de 2009

Wien (2º dia) [+ ac/dc]

Saímos antes do meio-dia pra tentar terminar de cumprir pelo menos os principais pontos da cidade, mas mesmo que o transporte público seja exemplar, é muito cansativo e humanamente impossível de conhecer tudo. Ainda mais que tínhamos compromisso à noite e precisávamos guardar alguma energia pro que estava por vir... Nosso principal destino em Vienna, na verdade, era um estádio de futebol. Não que seja um ponto turístico, mas é que lá estava pra acontecer o show do AC/DC!!!

Então antes só fomos dar uma banda no Stadtpark, um dos principais parques da cidade, e depois conhecer o Palácio de Schönbrunn, que tem mais de 1400 aposentos, um dos maiores do mundo.

Músico de rua no Stadtpark

Estátua de Johann Strauss.


Por acidente na Karlsplatz
Comendo um brezel em frente ao Palácio

Era apenas umas 5pm, mas já 'tava na hora de rumar pro estádio, pois esperávamos pontualidade austríaca para o início do show que no ingresso dizia 6pm. Ledo engano, mas tudo bem: deu pra curtir um bom show de abertura do The Answer.


Nove em ponto apagam-se as luzes e a gritaria é geral. Muita gente histérica e em êxtase. Há um telão colossal no meio do palco e mais um ao lado de cada PA, os quais são tomados por um cartoon em que o Angus Young é o maquinista de um trem desgovernado que acaba por invadir o palco em meio a fogos e explosões! A banda abre a noite com a primeira faixa do novo álbum "Rock and Roll Train"!!! Um espetáculo!!

A partir daí engataram todas as confirmadas dos álbuns anteriores, com direito a serviço completo: boneca inflável em Whole Lotta Rosie, strip-tease do Angus em The Jack, sino descendo em Hell's Bells e muito mais. Enfim, barba, cabelo e bigode.



Legenda: Aí Fernandoooo!!! Escuta aí, véio! 'Tamo aqui, véio!!!

Do álbum novo tocaram apenas 5, destaque pra War Machine.



Legenda: Aí, César!!! Wuhu!!

Solo do Angus no meio da galera!


I'm on my way to the promised land: I'm on a highway to hell!!

No final, canhões pra saudar those about to rock. Apoteose!!!

A volta pro hostel foi bem complicada. O metrô lotado nos obrigou a buscar rotas alternativas, aí acabamos nos perdendo e foi um inferno. Mas com a alma lavada desse jeito, nem o inferno é um lugar ruim pra se estar.

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sábado, 23 de maio de 2009

Wien (1º dia)

Tinha prometido pra mim mesmo voltar a Viena pra conhecer a cidade com calma e especialmente neste fim de semana tinha um motivo pra lá de especial. 'Tava difícil de arranjar parceria pois, embora a cidade fique bem próxima, é sabido que tudo lá é muito mais caro (e o tal motivo especial necessita de um fôlego financeiro extra), mas por fim o Henrique não se agüentou e topou ir na indiada.

Pegamos o trem perto das 9am e já na ida conhecemos um casal americano muito gente boa. É impressionante as histórias que é possível ouvir desse pessoal que viaja pelo mundo, especialmente de pessoas como eles que trabalham com empresas da área de transporte/turismo.
Eu, Henrique, Jim e esposa.

O hostel dessa vez era ótmo, a cinco minutos da estação e bem barato pros padrões austríacos (EUR 15). Além disso, "boas e más notícias: não temos mais os lugares no dormitório que vocês reservaram, mas temos um quarto duplo que faremos pelo mesmo preço". (!!).

Não pudemos ver o quarto pois ainda estavam desocupando-o, então só deixamos as malas no armário do hostel e já saímos pra desbravar a cidade. Mesmo plano de Praga: pegar uns panfletos e encontrar os pontos turísticos.
Igreja de Santa Maria da Vitória

Os preços de Vienna são um caso à parte. Os números muito parecidos com os do Brasil. Lata de cerveja 0,5l: 1,70; wurst (lingüiça): 1,50; fatia de pão: 1,00. A única diferença é que é em Euro, então o valor real é o triplo!!

Almoço salgado.

Assim como em Budapest, sempre tem algo acontecendo. Por coincidência pegamos exatamente o final de semana do Festival de Viena!
Show na frente do parlamento.


Votivkirche

Michaelerplatz


Palácio Imperial de Vienna


Stephansdom

A noite reservava fortes emoções: legítimo Jägermeister e depois Edelweiss, a melhor cerveja que já bebi!!


sexta-feira, 22 de maio de 2009

Szülinapot

Oficialmente hoje é o meu aniversário.

Acho injusto esse negócio de aniversário pois a gente não escolhe o dia e nunca sabe com que humor vai se acordar. Pode ser um daqueles em que tu olha torto até pra quem te diz um simpático "oi" ou pode ser um daqueles que tu sorri até pra um poste. Estando numa situação tão adversa como a que estou, então, isso tudo se amplifica. Por isso, tento desencanar do meu. Não comento, não faço propaganda, pra não ficar na obrigação de ter que estar sorridente ao ser cumprimentado e pra isentar os outros da quase obrigação de o fazê-lo. Claro que gosto de ser lembrado, quem não gosta? Mas fazer com que as pessoas me felicitem pra cumprir uma formalidade imposta, definitivamente não é o meu estilo.

Mas hoje acordei normal, nem parecia que hoje era hoje. Tinha a impressão que era o aniversário de outro alguém. (E de fato era, logo explico). No trabalho, um dia normal e só não posso dizer que foi rotineiro porque depois do expediente fomos jogar futebol. [O Roger jogando futebol??? O cara enlouqueu!!] Pasme: fui eu que abri o placar!! :-O Hahahahaha! Quase passei mal pois não conseguia respirar; o ar daqui é mesmo muito seco e não 'tô acostumado a correr, não aguentei mais de 20 minutos. Divertido pacas: é o melhor ambiente pra se aprender palavrões!

Depois fui conferir um show da banda do Ivan, mas não pude ficar até o fim pois tinha a festa de aniversário surpresa do Diego. Sim, ele faz aniversário no mesmo dia que eu! Pra mim a prova cabal que astrologia é uma falácia pois somos totalmente diferentes (talvez por isso nos damos tão bem). Rumamos então pra festa de despedida da Olga - que conheci nessa ocasião - na qual encontrei mais dois brasileiros recém chegados e onde encontrei o Martin bêbado, um sarro!

Fui dormir com a impressão de que eu não era eu, tipo "Show de Truman". Muito estranho.

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quarta-feira, 20 de maio de 2009

Paraíso Etílico

Há tempo queria escrever sobre isso. É uma característica muito forte da Hungria: aqui tem tudo que é tipo de bebida, a qualidade é ótima e os preços, bem acessíveis. Pra quem gosta de um bom trago, o paraíso!

Então não é a toa que o país ocupa uma posição de respeito no ranking mundial da taxa de alcoolismo. E os caras são mesmo tão "fora da casinha" que até a moeda deles chama "forint". Bah, essa foi péssima!

Cervejas
Muito boas e muito baratas. Isso que cerveja não é o forte da Hungria. As menores latas são de meio litro e a variedade é de deixar qualquer um vesgo. Aviso importante: eles não sabem gelar cerveja, então se tua preferência é por tomar a bebida a -4°C como no Brasil, melhor trazer de casa.

As marcas mais conhecidas são Soproni, Borsodi, Arany Aszok (equivalente à Skol) e Dreher (seria a nossa Bohemia, mas dá uma ressaca de carnaval!!), porém também é comum achar marcas de todos os cantos da Europa, especialmente da Áustria como Amstel, Gösser, Steffl e, minha preferida, Edelweiss.

Unicum
Nasceu como um digestivo, tipo Olina, mas o sabor e, principalmente, o alto teor alcoólico o transformaram numa bebida amplamente apreciada. Também é muito específica daqui e é produzido apenas pela Zwack, proprietária da marca; duvido que seja comum em outros lugares. Dica: a não ser que queira arranjar uma boa discussão, nunca diga a um húngaro que Unicum se parece com Jägermeister.

Pálinka
É a bebida nacional, uma aguardente feita de frutas e normalmente mais forte que a nossa cachaça, a partir de 40%. Mesmo pra quem não é muito fã de beber destilados - que é o meu caso -, aqui cabe uma exceção muito válida, pois a bebida realmente é boa e dá pra perceber diferentes sabores dependendo da procedência e composição. O costume é tomar de shot e é comum beber no início da festa pra "abrir os trabalhos".

Vinhos
Aí é que o bicho pega. Conheci muitas pessoas que me diziam com naturalidade que não gostam de cerveja, o que me deixava sempre surpreso. Quando percebi a infinita variedade, o preço e a excelente qualidade do vinho húngaro descobri o motivo: pra que tomar uma mera cerveja se eu posso beber um bom vinho??

São mais de 20 regiões vinícolas reconhecidas mundialmente num país que tem um terço do território do Rio Grande do Sul e dois vinhos são especialmente famosos entre os enólogos: o Egri Bikaver e o Tokaji. O primeiro é um vinho seco e muito escuro, por isso o nome que significa "sangue de touro". O segundo é um caso à parte, merece um capítulo especial...

Tokaji Aszú
Embora não tenha conseguido achar nenhum website pra embasar essa história, o que me contaram foi o seguinte: na época em que a Hungria estava em guerra contra os turcos, a região de Tokaj estava cercada. Por causa disso, os vinicultores não puderam colher as uvas no tempo certo; acabou que muitas frutas começaram a apodrecer. Não tendo alternativa, tiveram que usá-las mesmo tendo passado do ponto, já um tanto secas, e por isso necessitavam de uma quantidade maior de matéria-prima pra produzir o mesmo tanto de vinho que usualmente seria feito com bem menos.

O detalhe é que o fungo responsável pela deterioração da fruta age retirando a água e deixando o teor de açucar altíssimo; esse processo hoje é conhecido como botritização ou podridão nobre. Em decorrência disso, o resultado é uma bebida de tom dourado e é tão doce que é considerado um "vinho de sobremesa". A qualidade é medida em puttonyos - baldes - e a escala vai de 3 a 6. Quer dizer que, por exemplo, pra fazer um barril (136 litros) de vinho 5 puttonyos, foram usados 5 baldes de uvas botritizadas. Depois disso, ainda tem o Eszenszia, o supra-sumo dos Tokaji, mas esse até aqui não é comum.

Bom, não pode ser a toa que ele seja conhecido como "vinum regnum, rex vinorum" (vinho dos reis, rei dos vinhos) e que chegue a ser citado no hino nacional do país. Embaraçosamente, preciso confessar que eu nunca fui muito entendido de vinhos, mas pra gostar não precisa mesmo entender, então posso dizer: o troço é realmente bom pra caralho! E agora vem a melhor parte: sabe quanto custa? Olha a foto ao lado que tirei num supermercado (simplificando, a taxa de conversão é BRL1 = HUF100); agora compara com o preço praticado no Brasil pelo Submarino.

Ah, e uma última coisa interessante: até alguns anos atrás era proibido por lei brindar com cerveja batendo os copos. Isso é por causa de uma batalha perdida que foi festejada pelo inimigo dessa forma. Então, se for brindar à moda húngara tradicional, não bata os copos. Apenas levante sua taça e deseje saúde: Egészségedre!!

terça-feira, 19 de maio de 2009

Gauchada Reunida

Com a chegada da Barbara (que é de São Leopoldo) no domingo e com a visita da Mônica, cachoeirense que 'tava em Portugal fazendo seu mestrado em Ciência da Computação, agora somos quatro gaúchos Aiesecers em terras húngaras, motivo mais que suficiente pra uma comemoração.

Decidimos nos reunir e chamar mais alguns amigos pra fazer um carreteiro e lembrar algumas músicas da querência. Nem procuramos charque, é certo que isso não existe aqui. Mas até encontrar carne de gado é uma missão complicada por estes pagos, então o jeito foi fazer o prato com linguiça, o que aqui se encontra em abundância e grande variedade. E até que ficou bem bom o tal carreteiro húngaro cor de laranja e tempero picante de páprica.

Acabou rolando de tudo que é tipo de som, de "vaquinha preta" a "faroeste caboclo". Bacana foi ver o pessoal cantando "de música ligeira" em quatro versões diferentes ao mesmo tempo, incluindo a original em espanhol: que torre de babel. Muitas canções dos Engenheiros e todos os hinos rio-grandenses, no fim até improvisos inusitados como o "blues do Guaíba podre" que o Guilherme compôs de repente.

A noite mereceu um "high five", versão romana!!




domingo, 17 de maio de 2009

Sorte é ter azar

Acordei relativamente cedo, considerando que hoje é domingo, pois queria ir no Bolhapiac, um mercado de pulgas que acontece todo final de semana no parque atrás da Praça dos Heróis, tipo um Brique da Redenção. Dizem que tem muita bugiganga e quinquilharia da época do comunismo. Lilla se dispôs a me acompanhar e fomos lá conferir.

Chegando no local, qual não é minha surpresa ao descobrir que justamente nesse domingo, talvez o único do ano, o troço não ia abrir pois cederam o lugar pra um evento de Cosplay!? Isso é que é ter azar! Bom, fazer o quê? Já que estávamos lá mesmo, fomos andar pelo parque pra tentar achar outra coisa pra fazer. O fato de estar acompanhado por uma nativa ajuda bastante e torna tudo muito mais interessante, pois sabendo o que as coisas ao redor significam, a paisagem passa a não só cativar pela beleza, mas também pela essência. Ese monumento, por exemplo, eu já tinha visto, mas não tinha dado importância pois sabia do que se tratava. É um memorial da Revolução de 1956, na qual eles furaram a bandeira que no centro tinha um símbolo stalinista pra mostrar sua insatisfação com o regime.

Andamos mais um pouco pra tentar achar algum outro programa interessante pra fazer. E em Budapeste sempre há. Caso você não tenha a mínima idéia do que fazer, é só dar uma banda pela rua que logo descobre algo bacana e barato. Passeando perto do Vajdahunyad, achamos um festival de vinho Kunsági que funcionava assim: por 700 Forints tu ganhava uma taça e direiro a 5 degustações. Traduzindo: mais de meio litro de vinho da melhor qualidade por 7 pila, com direito a música e cultura local. (!!). Sorte é ter azar!

[Fotos: à direita, na estátua do Anonymus; à esquerda, igreja dentro do Castelo]

Já no meio da tarde fomos conhecer a Bárbara que faz parte do Central and Eastern Europe Growth Network Board da Aiesec e por isso, desde de julho do ano passado, já passou por 26 países!! Muita história interessante pra ouvir! Aí descobrimos que 'tavam rolando uns shows de graça na frente do Museu Nacional, então preparamos um chimarrão e rumamos pra lá.

High five!!



Acabamos o dia fazendo uma cervejada no Gödör, comprovando um dos slogans da capital húngara: "é impossível ficar entediado em Budapest".





sábado, 16 de maio de 2009

Rám-szakadék

O anúncio na lista de emails foi mais ou menos assim: "Caminhada de 7km num dos mais belos bosques da Hungria com córregos, quedas-d'água e paredões. Vistam roupas confortáveis e venham prontos pra se sujar.".

Ueba!!


O lugar é bonito, mas em se tratando de natureza, os húngaros que me desculpem, mas a gente dá um laço...




"foi um longo caminho até aqui..."

Na noite fui ver Jamie Winchester no Zöld Pardon. Muito bom! O foda é que aqui é tudo pontual e é muito estranho sair pra balada enquanto o sol ainda não se pôs, por isso perdi boa parte do show.

III

Isso de mim que anseia despedida
(Para perpetuar o que está sendo)
Não tem nome de amor. Nem é celeste
Ou terreno. Isso de mim é marulhoso
E tenro. Dançarino também. Isso de mim
É novo: Como quem come o que nada contém.
A impossível oquidão de um ovo.
Como se um tigre
Reversivo,
Veemente de seu avesso
Cantasse mansamente.

Não tem nome de amor. Nem se parece a mim.
Como pode ser isso? Ser tenro, marulhoso
Dançarino e novo, ter nome de ninguém
E preferir ausência e desconforto
Para guardar no eterno o coração do outro.

[Hilst, Hilda. Cantares do Sem Nome e de Partidas. São Paulo: Globo, 1995.]

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Last Drops, bundas e antropologia

As coisas mais insólitas acontecem em Budapest. Por exemplo, esses dias estavam chamando para uma guerra mundial de travesseiros, mas não fui pois estavam prometendo armamento pesado e tive receio de sair ferido. :)

Essa semana surgiu o convite pra ir numa "tram-jam" e decidi ir conferir. Era o seguinte: uma banda de country-rock alternativo chamada Last Drops lançou um email chamando os fãs pra se reunirem numa praça, beber uma cevas e pegar o bonde #2, famoso por sua sightseeing tour ao longo da margem do rio, no qual eles iriam tocar e fazer um vídeo enquanto todos iam em direção a um pub onde mais tarde eles iriam se apresentar.

Conforme o combinado, todos estavam na tal praça na hora informada, mas era muito mais gente que eles esperavam e o tram ficou lotado!! Foi divertido pra caramba, muita bagunça e gargalhadas; por pouco não chamaram a polícia.

[colocar aqui o vídeo]

Aí já no bar eu 'tava conversando em português com um italiano que trabalhou na GVT em PoA sobre como achava engraçado o modo como se faz pra chingar o juíz numa partida de futebol por aqui: os húngaros gritam "bunda, bunda!!", que significa trapaceiro. Nisso se virou um desconhecido e exclamou: "porra, só pode ser brasileiro pra ficar falando em 'bunda' desse jeito".

João é antropólogo e 'tá escrevendo sua tese que trata das diferentes visões do regime comunista: fora, dentro e depois dele. Pra isso, morou nos EUA - "los enemigos" -, em Cuba e agora está aqui pois, segundo ele, a Hungria é o país que melhor preserva os registros da sua época comunista e dá subsídios pra estudo. O cara é uma figuraça e, se não me engano, já tem dois mestrados; mas não lembro muito bem porque a cerveja 'tava gelada. Filosofia de boteco agora com pedigree...

(na foto: Ákos, Carmello, João e eu)

domingo, 10 de maio de 2009

Pagode na ilha

Não tinha como escapar, mais cedo ou mais tarde isso ia acontecer. Calcula aí pra tu ver: ( brasileiros + violão ) x saudades = roda de pagode!!

Decidimos aproveitar o fim de tarde na Margit Sziget juntando a galera e jogando conversa fora. E eu sou valente e assumo: toquei pagode, sim! E daí?? E bossa nova. E sertaneja!! 'Tô até vendo meio mundo dizendo "quem te viu e quem te vê, Roger".

Apareceram também outros conterrâneos como o pessoal que trabalha no Braseiro, restaurante brasileiro que tem aqui, e na ocasião conheci o Jubilei, maluco que taí há uns 4 anos ensinando capoeira (!!). Ele não fala nada de inglês, mas pra quê se nesse tempo aprendeu húngaro (!!!!!!!)?


sábado, 9 de maio de 2009

Guilherme

A certa altura da festa de ontem, cheguei na roda onde estavam alguns brasileiros e percebi um sotaque tri familiar enquanto ouvia também os outros fazendo piada:
-Rapái! E ainda por cima é colorado! Só falta dizer que é de Pelotas!!

Guilherme tinha chegado ontem mesmo de Porto Alegre e estava mais perdido que cebola em salada de fruta. Compreensível, pois além do baque natural que se tem logo no início, ele não teve muita sorte: foi largado num flat bem longe do centro e nem chegou a conhecer seu trainee buddy. Trocamos poucas palavras pois eu e alguns amigos acabamos indo para outra festa, mas disse pra ele me ligar que eu poderia ajudar dando algumas barbadas e mostrando os pontos principais da cidade.

Hoje então fomos dar uma banda nos cartões postais e lhe dei instruções gerais sobre a vida aqui, dicas que vão de onde fazer câmbio a como usar o transporte público. Me senti muito bem por poder passar adiante essas coisas que aprendi neste primeiro mês aqui. Como diz meu amigo Jota, o conhecimento só tem valor se puder ser partilhado.